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A Estação Ecológica de Itirapina e os últimos campos limpos do estado de São Paulo.

Durante os anos em que trabalhei na Estação Ecológica de Itirapina, escutava frequentemente a pergunta: existe Cerrado no estado de São Paulo? Temos savana em São Paulo? Para a surpresa de muitos, a resposta é sim. O Cerrado é uma paisagem com aspecto savânico, ou seja, possui poucos arbustos espalhados entre as gramíneas, algo bastante parecido com as áreas Africanas que costumamos observar nos documentários sobre grandes felinos. Contudo, o Cerrado compreende um complexo de paisagens com características distintas, distribuídas em mosaicos. Assim, quando falamos sobre o Domínio do Cerrado, podemos pensar que este é uma mistura de áreas campestres, com predominância de gramíneas (campo limpo), savânicas, com presença de arbustos entre as gramíneas (campo sujo, campo cerrado e cerrado sensu stricto) e florestais, com maior densidade de árvores (cerradão).

Embora seja predominante na região central do Brasil, no estado de São Paulo o Cerrado apresenta-se na forma de fragmentos associados a solos de baixa fertilidade, especialmente na depressão periférica e no Planalto Ocidental Paulista, além de pequenas manchas localizadas no Vale do Paraíba. Com uma cobertura original de 14% do território paulista, hoje existe menos de 1% de remanescentes no estado, devido ao desmatamento para inserção de pecuária e plantio, e menos de 10% do que sobrou desta vegetação nativa estão inseridos nas Unidades de Conservação Estaduais (UCs). Grande parte do restante localiza-se em propriedades rurais particulares.

Atualmente, no estado de São Paulo, o cerradão é a formação predominante entre as áreas de Cerrado, mas as fisionomias campestres e/ou savânicas já foram predominantes. O aspecto campestre pode ser mantido pelas queimadas frequentes, pois apesar de muitos arbustos/árvores serem resistentes, incêndios em curtos intervalos de tempo impedem o crescimento desta vegetação. Entretanto, algumas áreas campestres tendem a permanecer mesmo na ausência de fogo, porque condições como solo muito arenoso e clima limitam o aumento da biomassa. As áreas campestres naturais atualmente são raras e concentram-se nas regiões do centro para o leste de São Paulo e também em áreas particulares no sul do estado. Estas áreas costumam abrigar a maior parte da fauna ameaçada de extinção do Cerrado. Um dos últimos remanescentes campestres protegidos pode ser encontrado na Estação Ecológica de Itirapina (EEI), localizada entre os municípios de Itirapina e Brotas.

A EEI possui uma área de 2.409 ha, com a maior parte coberta por áreas abertas campestres (Figura 1).

Figura 1. Campo limpo na Estação Ecológica de Itirapina durante o final da estação chuvosa. Foto: Andrea Ferrari.

Foi considerada uma Important Bird Area (IBA) pela Save Brasil, representante da BirdLife International. São consideradas IBAs áreas que contenham, segundo critérios padronizados, habitats globalmente importantes para a conservação de populações de aves. De acordo com o inventário da avifauna realizado por Motta-Junior et al. (2008) na EEI, entre as aves encontradas, a maior parte (81,25%) das ameaçadas de extinção no estado de São Paulo e/ou endêmicas do Cerrado é vinculada com paisagens abertas de campo limpo e campo sujo. Destacamos aqui três espécies de aves que podem ser observadas na EEI e são ameaçadas também em território nacional: O papa-moscas-canela (Polystictus pectoralis) (VU), o papa-moscas-do-campo (Culicivora caudacuta) (VU) e o galito (Alectrurus tricolor) (VU) (Figuras 2 e 3). Existe maior diversidade de mamíferos, lagartos, serpentes e anfíbios também nas áreas abertas da EEI, quando comparamos com formações de Cerrado mais fechadas. Outras Unidades de Conservação do estado de São Paulo sob o Domínio do Cerrado apresentam menor número de espécies de aves ameaçadas e/ou endêmicas do Cerrado quando comparadas com a EEI, provavelmente pela ausência de campos limpos nestas UCs, local em que muitas destas aves ocorrem. Estes dados reforçam a importância de conservarmos em áreas protegidas o que ainda existe desta fisionomia no estado de São Paulo.

Figura 2. Polystictus pectoralis macho fotografado na Estação Ecológica de Itirapina. Foto: Andrea Ferrari.

Figura 3. Alectrurus tricolor macho fotografado na Estação Ecológica de Itirapina. Foto: Andrea Ferrari.

Para que estas espécies ameaçadas sobrevivam com populações viáveis na EEI, é importante que estes campos não fiquem isolados, que exista conexão com áreas de campos nativos nas adjacências, formando corredores, para que diferentes populações possam cruzar e garantir variabilidade genética. O entorno da EEI é composto por plantios, pastos, a represa do Lobo e algumas áreas com vegetação nativa intacta. A Estação Experimental de Itirapina (adjacente à Estação Ecológica) consiste em uma área com predominância de Pinus spp. e Eucaliptus spp. (espécies não nativas), embora ainda existam fragmentos de áreas savânicas e florestais de Cerrado. Esta área integra o Programa de Exploração Florestal do Instituto Florestal; existe um Plano de Manejo integrado para a Estação Ecológica e a Estação Experimental de Itirapina. São previstas atualizações para o Plano de Manejo com perspectivas de experimentos de restauração para vegetação nativa de Cerrado na Estação Experimental, o que pode favorecer a manutenção de populações viáveis de espécies ameaçadas de extinção.

Em junho de 2016 o governador Geraldo Alckmin sancionou um projeto de lei que autoriza o estado abrir licitações para concessões de parques com administração estadual para parcerias com a iniciativa privada. A Estação Experimental de Itirapina é uma das áreas citadas para entrar nas concessões. O governo alega falta de recursos para correta manutenção e fiscalização desta área, e, portanto, diz que a parceria com a iniciativa privada, nos termos da concessão, pode promover maior eficiência no manejo da Estação Experimental e maior controle de espécies exóticas em áreas nativas contíguas. A Estação Ecológica de Itirapina possui áreas com gramíneas exóticas como Melinis minutiflora e Brachiaria decumbens; medidas que impeçam com urgência a expansão destes capins são importantes para evitar perdas de vegetação nativa. Lembramos que o Plano de Manejo integrado entre as Estações Ecológica e Experimental não poderá ser descartado. O que esperamos é que a atualização do plano de manejo seja feita o mais breve possível e que os experimentos de regeneração de Cerrado e controle de espécies exóticas façam parte do contrato com a concessionária, que não seja limitado à exploração de produtos florestais.

Muitos boatos e dúvidas surgiram após a sanção deste projeto de lei e a sociedade civil precisa cobrar transparência em todo os procedimentos que envolvem área com tanta relevância ambiental. Contudo, segundo o professor José Galizia Tundisi, presidente da Associação Instituto Internacional de Ecologia e Gerenciamento Ambiental (IIEGA), existem estudos para que a área seja transformada em Parque Estadual. É evidente que este seria o melhor caminho para toda a região. Parques Estaduais possuem a vantagem de permitirem visitação pública sem maior burocracia, o que favorece o turismo de observação de natureza, grande aliado na promoção de empatia para as causas ambientais e auxílio na fiscalização de áreas de interesse ambiental. Este parque seria especialmente interessante se áreas de campos de Cerrado fossem restauradas, ampliando a área disponível para espécies que dependem destas paisagens abertas.

Os campos abertos localizam-se na área sul da EEI e ultrapassam os limites da UC. Seria bastante conveniente se o estudo para elaboração de um Parque Estadual também considerasse a inserção destes campos nativos, de propriedade particular, contíguos com a EEI, pois estas são áreas de nidificação para espécies de aves ameaçadas de extinção citadas aqui. É essencial o envolvimento da sociedade nas cobranças para que os últimos campos nativos de São Paulo sejam protegidos, com apoio e pressão para a criação de um Parque Estadual e/ou cobranças para que o contrato de concessão da Estação Experimental contemple experimentos de regeneração de vegetação nativa. A presença de espécies como lobo guará (figura 4), entre outras, aqui no estado de São Paulo é um enorme atrativo e motivação para que nos empenhemos na proteção dos últimos remanescentes de campos de Cerrado paulistas.

Figura 4. Lobo guará (Chrysocyon brachyurus) com filhote fotografado na Estação Ecológica de Itirapina. Foto: Andrea Ferrari.

Referência Bibliográficas:


Motta-Júnior, J.C., Granzinolli, M.A. & Develey, P.F. 2008. Aves da Estação Ecológica de Itirapina, estado de São Paulo, Brasil. Biota Neotrop. 8(3): 206-227.









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